terça-feira, fevereiro 19, 2008

Escura Claridade




Caminho numa estranha claridade, que de tão clara me vai ofuscando a vista, deixa-me a tempos, com a visão distorcida de quem não enxerga bem, de quem não vê. Vou avançando com uma segurança que talvez não devesse ter, até porque não é normal... afinal porque terei eu direito a tanta claridade, acho que não...
Envolvo-me então em justificações, ressalvo a que me parece possível, é uma claridade falsa, talvez uma claridade criada precisamente para me tapar os olhos, para me confundir, para me deixar à deriva..onde? Não sei, não vejo...


- Oh meu bravo, então vens de olhos fechados?
- Estou ofuscado, não consigo ver, quem é?
- Então, eu sou eu, ehehehe
- E consegue ver?
- Vejo-te a ti, e olha que não estás muito bem...
- Porquê?
- Isso descobre tu... mas olha aproveito só para te dizer que te estás a deixar morrer devagar... Adeus.
- Então mas...
- Ali à frente está o interruptor, agora tu é que sabes, adeus.
- Adeus.

Estranha criatura, que se atravessou à minha frente, de repente deixou-me a pensar num interruptor, caricato, afinal serve para dar luz ou tirar luz a algo, neste caso poderá servir para terminar com esta possível falsa claridade, mas hesito, será que quero?
Continuo a caminhar sempre em frente, com o vento pelas costas, como que ajudando... vou-me perguntando numa conversa que mantive comigo mesmo, algo que já me perguntei tantas vezes... porque não me espetam a mão no peito, assim com suavidade que até nem dói, e arrancam qualquer coisa, coração talvez, também se é para arrancar tem que ser como deve ser...até facilito a tarefa!
A claridade intensifica-se e já me custa caminhar, porque começa a afectar mais do que a vista... começo a suar e mantenho uma respiração ofegante, que tento controlar apesar de tudo...mas não consigo.. as pernas falham-me e caio com os joelhos sobre o chão, por trás sinto uma faca a espetar-se, e faz-me gritar, grito esse que gera um eco ainda maior, que se perde no nada, não vi quem foi... porque não dá para ver, mas riu-se eu ouvi... o meu peito cai sobre chão, deixo de sentir as pernas, deixo de sentir as mãos, deixo de sentir o corpo...

- Está à tua frente, estica o braço e desliga... se quiseres.

Num último esforço consegui esticar o braço, mas não chegava, comecei a chorar porque já não conseguía conter, comecei a gritar porque já não conseguía guardar o grito, pedi ajuda, mas ninguém ouviu... estiquei estiquei... tremenda mancha de sangue à minha volta... e num último folgo, aaaahhhh! Finalmente, desliguei o interruptor... e ficou escuro.

- Calma, calma!! Era só a vida real, agora já passou... agora podes fechar os olhos e sonhar. Ninguém te vai fazer mal.

1 comentário:

Sebastiana de Lemos disse...

Não tenho palavras para descrever o que senti... sim realmente é isso mesmo. Nos sonhos é tudo perfeito, belo, puro e aparentemente fácil. A realidade é má, corrói aquilo que é realmente belo, descurando aquilo que ela deveria ser. Deve ser inveja... será?

Um beijinho

Noiva